Às vezes você recebe a chegada de alguém como se fosse aquele leitor apaixonado que encontrou um bom livro, se sente como a criança na manhã seguinte ao aniversário, entusiasmada com a festa de vida que lhe agraciou com tantas surpresas.
Sente o cheirinho de papel e tinta, se encanta e antecipa longos momentos de prazer e descobertas instigantes. Você se prepara para se entregar ao enredo imaginado e, antecipadamente, agradece feliz.
Se empolga como naquela canção que inspira o dia frio, cuidadosamente prepara um bom lugar, melhor ainda com um cafezinho fumegante e saboroso, quem sabe até mesmo numa rede ou numa poltrona macia e acolhedora.
Este é sem dúvida alguma, um dos melhores momentos que podemos viver: a antecipação de todas as emoções que ainda estão por vir, o saborear mentalmente cada bocadinho de alegria e de prazer que se escondem dentro daquele pacotinho que se agiganta, recheado de expectativas.
Porém quando abre o seu presente pode também descobrir que lhe falta o conteúdo tão desejado.
Aturdido, vê que se trata apenas de uma brochura, ou não é nem bem isso; é só um panfleto mal acabado, daqueles com propaganda enganosa. Muita figurinha de gosto duvidoso e longos textos cheios de nada.
Leitor ávido, embora desencantado, folheia rapidamente as poucas e mal acabadas páginas que se revelam de papel jornal, grosseiro e áspero. Não tem sequer acabamento decente. Nada a fazer além de procurar a linha final; aquela em que vem escrito o aviso desalentador, o tal do "The End".
Coisas das prateleiras da vida!
Em dias recentes, acompanhando as notícias que me chegam de minha terra natal, pude ver claramente como tudo isso nos traz verdades.
Na primeira prateleira, foi colocado um livro maravilhoso, bela encadernação e um conteúdo capaz de inspirar o que cada cada leitor que o abriu e leu a ser e doar o melhor de si para o bem de todos. Só tinha um problema, terminou cedo demais, não deu tempo de explorar com ele todas as maravilhosas possibilidades que ele tinha. O adeus ao Padre Edmilson ainda ecoa sobre o nosso vale, foi feito com uma dor autêntica, um pesar absoluto do luto de um filho que de repente se vê na orfandade. Foi assim que vi minha cidade chorar a partida do seu jovem, belo e valente pai espiritual.
A segunda prateleira nos ofereceu um conto de horror. Feio, trágico e sangrento. Duas vidas, jovens e aparentemente tão belas, no centro de uma tragédia que, certamente afetou de forma terrível a vida das duas famílias envolvidas e, por afinidade, de todas as famílias da nossa cidadezinha tão amada.
Como entender que o capítulo final de um livro aparentemente tão lindo fosse encerrar a história de forma tão violenta e traumatizante?
Novamente ouço o choro de minha cidade, lamentando e sofrendo o crime horrível que tirou o sorriso e toda a beleza de uma menina que mal havia começado a viver. Que as suas lembranças sejam adoçadas pela recordação de seu sorriso tão lindo e que uma oração seja feita cada vez que o nome dela seja pronunciado!
Seu nome composto por duas ideias do bem que sua família lhe desejou ao recebê-la nos braços, poderia e deveria ter sido feito: foi Maria, como a mãe do Mestre, simbolizando todo o amor que habita no ser humano e Clara, como deveria ter sido sua estrada e estadia na vida. Vida que teve a duração tão curta, deixando sem conclusão tantos capítulos que deveriam ter sido escritos com flores e perfumes, lhe inspirando e possibilitando realizações felizes.
Vá com Muita Luz, linda menina Maria Clara! Daqui eu oro e peço paz para você.
E que seu algoz também seja iluminado e - como tanto ensinou o já saudoso Padre Edmilson sobre as mães, as famílias e a fraternidade – que ele, o autor de toda essa tragédia e também pouco mais que uma criança, seja agora preparado para merecer e algum dia receber da Clara Graça Divina o perdão pela crueldade do ato que teve a insanidade de escolher praticar. Que ele consiga se perdoar e ser perdoado por ter se tornado o protagonista de uma história escrita pelo sangue e pelas lágrimas da dor que ele causou em você, na sua família, nas nossas famílias ferrenses e, certamente, nele mesmo. Que Jesus ampare e guie a humanidade a despeito dela própria!
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