Áudios de WhatsApp e imagens registradas no interior da penitenciária Nelson Hungria em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte, indicam a dimensão do motim ocorrido na noite desse sábado (26). Detentos atearam fogo a pedaços de papel e lixo na parte exterior às celas, e o Corpo de Bombeiros chegou a ser acionado para o interior da unidade prisional.
A poucos metros, familiares reuniram-se à porta da cadeia para protestar pela segurança de seus entes queridos e reivindicar o retorno de visitas com três horas de duração. Logo na outra margem da penitenciária, suspeitos incendiaram um ônibus da linha 302C (Estaleiro II), mas o bilhete por eles deixado teria se queimado em meio às chamas do veículo, segundo descrito na ocorrência da Polícia Militar.
Denúncias sobre episódios de humilhação e agressão e entrega de comida estragada são apenas algumas entre as reclamações do grupo carcerário que iniciou o motim em Contagem, e acredita-se que o ato poderá ser repetido em outras unidades prisionais de Minas Gerais.
O princípio de rebelião estourou especialmente em função de uma drástica mudança no procedimento de visitas, isto após seis meses de suspensão dos encontros entre familiares e encarcerados em função da pandemia do novo coronavírus. Aconteceu na manhã de sábado a primeira visita nos moldes estabelecidos pelo Estado, tempo máximo de vinte minutos e ostensiva presença de policiais penais, segundo relatos de mães, mulheres e irmãs que têm parentes cumprindo pena na unidade da região metropolitana.
A Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) declarou na noite desse sábado (26) que não houve motim na penitenciária Nelson Hungria. Entretanto, mensagens enviadas por familiares de detentos para o advogado Ércio Quaresma indicam que aconteceu, sim, um princípio de rebelião no espaço prisional. Áudios que teriam sido gravados no interior do complexo retratam o barulho proveniente de choque contra celas, e imagens gravadas também mostram que houve queima de papel e lixo no exterior das celas.
Em alguns destes registros, detentos gritam que ‘a cadeia vai virar’, gíria usada para dizer que haverá rebelião e controle do espaço prisional pelos detentos. Outras mensagens também têm o mesmo teor, uma delas alerta que “as cadeias vão virar tudo (sic) juntas” e outra destaca que, “se não voltar ao normal (as visitas), todas as cadeias vão virar. Peço a você que nos ajude nós (sic) familiares que estamos sofrendo aqui fora, não só nós, mas também os meninos que se encontram lá dentro”.
As reclamações sobre agressões e o novo procedimento de visitas ganham coro entre familiares que mantêm detentos no presídio Inspetor José Martinho Drumond em Ribeirão das Neves, também na região metropolitana de Belo Horizonte.
Carta escrita na quinta-feira
Dois dias antes do motim ocorrido nesse sábado (26), os detentos da Nelson Hungria escreveram uma carta a próprio punho tachando de “omissa” a direção da unidade prisional. Eles alegam que permaneceram sete dias com ‘atividades paralisadas’ na cadeia em busca de diálogo com os responsáveis pelo espaço, entretanto, segundo eles, não houve retorno. Em uma lista, o grupo de detentos aponta reivindicações ligadas à garantia de direitos como saúde, atendimento jurídico e visitas.
Minutos após estourar o motim no complexo penitenciário começaram a circular mensagens com alguns outros pedidos feitos por familiares e detentos. O maior apelo é para que sejam regularizadas visitas sem as regras tão rígidas impostas pelo Estado de Minas Gerais, pedem também a retomada dos encontros íntimos e a permissão para entrada com alimentos no espaço. “Importante medir temperatura, importante o uso do álcool, distanciar um do outro, mas impedir o contato com o preso é covardia. São sete meses sem ver e tocar, impossível não poder abraçar”, segundo descrito na mensagem.
De acordo com a advogada Fernanda Vieira da Frente Estadual pelo Desencarceramento, famílias relataram a ela que as visitas aconteceram por vinte minutos no parlatório, espaço onde há um vidro que separa o detento do advogado durante reuniões. Ela também indicou que agentes penitenciários monitoraram os encontros.
Outro lado
Questionada na manhã deste domingo (27), a Sejusp reforçou que não houve motim na penitenciária Nelson Hungria mas, sim, um “ato de subversão à ordem”. Através de nota, a Secretaria afirmou que os detentos se agitaram após a notícia sobre a queima de um ônibus no entorno da cadeia e, logo em seguida, promoveram focos de incêndio com pedaços de colchões. Em relação à paralisação de atividades que os encarcerados mencionam na carta escrita na quinta-feira, a Sejusp declarou que há cerca de uma semana alguns detentos optam por não deixar as celas para o banho de sol como protesto mediante as regras impostas para visitação.
Quanto às agressões denunciadas, o órgão disse que não “compactua com qualquer desvio de conduta de seus servidores e que toda a ação inadequada, quando devidamente formalizada, é apurar com o rigor e a celeridade exigidos”. Ainda em relação à noite de sábado, o Corpo de Bombeiros confirmou ter entrado na penitenciária para combater fogo que teria sido ateado em colchões em roupas por detentos, e, segundo a corporação, após o controle da queima, agentes entraram nas celas.
Regras para visitações
O retorno das visitas nas unidades prisionais de Minas Gerais acompanha o esquema de ondas do programa Minas Consciente. Os encontros são limitados às cidades que estão nas ondas amarela e verde com regras específicas para cada uma.
Onda verde: visitas limitadas a um acompanhante por detento a cada 30 dias. Encontros devem respeitar distanciamento de dois metros entre o detento e o familiar, que poderá permanecer até três horas na unidade.
Onda amarela: o tempo de permanência máximo será de vinte minutos, e os encontros também estão limitados por um acompanhante a cada 30 dias. De acordo com o protocolo expedido, as visitas devem acontecer em “cabines de parlatório ou estrutura equivalente”, em unidas sem esta possibilidade, as visitas permanecem suspensas.
Por O Tempo
Sete Lagoas Notícias