Na loja do empreendedor Péricles Ribeiro, de 45 anos, que vende alimentos e roupas, usa-se “táxi” para comprar um par de chinelos. Para adquirir um suco em pó, é melhor pedir um “veneno”. Esse glossário particular é usado por presidiários de Belo Horizonte e região metropolitana, público-alvo do negócio do comerciante, que existe desde 2017 e fatura cerca de R$ 80 mil por mês. Batizada de PJL (Paz, Justiça e Liberdade, lema dos detentos), a “loja do preso”, como é conhecida, facilita aos clientes o envio de itens para seus familiares na cadeia - os chamados “kits prisionais”.
“A meta agora é abrir franquias em 2025. Ainda estamos estruturando, mas a expectativa é que abram outras lojas já no próximo ano. Estou conversando com pessoas de São Paulo, Rio de Janeiro, Acre e Goiás. Sentimos que estamos no momento certo de fazer isso, crescemos cerca de 50% do ano passado para 2024. O negócio já está maduro”, diz. Mercado para isso há. No primeiro semestre de 2024, a Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) contabilizou mais de 668 mil presos em celas físicas no país.
Ex-detento, ele conta que começou a empreender após ter várias negativas no mercado de trabalho. Péricles trabalhava como correspondente bancário antes de ficar recluso por 83 dias, em 2016, e garante que tentou diversas áreas até ter a ideia do negócio, que começou com a venda de itens na porta dos presídios. Hoje, ele tem a loja física no Barro Preto, região Centro-Sul de BH, mas garante que a maioria das vendas é online.
“Cerca de 80% dos meus clientes compram pelo WhatsApp. Eles me enviam a carteirinha do presídio e a lista dos produtos que são permitidos, pois cada cadeia tem suas regras. Depois disso montamos os kits, que são enviados aos detentos pelos Correios. Vendo de 400 a 500 kits por mês nesse modelo, fora o pessoal que vem à loja pessoalmente”, diz.
Segundo Péricles, um dos méritos do negócio, além de focar em um público geralmente esquecido pelo mercado, é prestar uma “consultoria” aos parentes dos presos. Isso porque, no período em que esteve preso, a esposa Michelle de Almeida passou aperto para entender as regras do sistema prisional e enviar os kits que ajudariam o marido.
“É um universo muito específico, muitos nos procuram sem saber direito o que fazer. Até porque, os familiares também precisam cumprir regras. Para visitar, por exemplo, é preciso usar roupas específicas, não se pode usar nada com bolsos. O serviço facilita a vida, já que sentimos as dificuldades na pele e agora conseguimos ajudar outras pessoas”, fala.
Para a empresária Rafaela Carolina, de 33 anos, o serviço foi uma “mão na roda” quando ela precisou enviar itens para o companheiro Gustavo Souza, de 37 anos, que esteve preso entre 2013 e 2020. Para ela, a “loja do preso” facilita muito uma logística que pode ser complicada no dia a dia dos familiares dos presos.
“Dá muito trabalho ter que procurar todos os itens no supermercado e depois procurar uma caixa para colocá-los, pois não se pode enviar os itens de qualquer jeito, precisa ser de um jeito específico. Depois, ainda temos que ir aos Correios e enviar o produto. O pulo do gato do Péricles foi facilitar todo esse processo, sou muito grata a ele”, conta.
Ela também relata que enviava o “kit prisional” cerca de uma vez por mês e gastava de R$ 100 a R$ 200 - dependendo dos itens escolhidos. “Outro ponto positivo é que os valores na loja são quase iguais aos do supermercado. O preço cobrado pela loja é bastante honesto e compatível com o público que precisa do serviço, que geralmente não pode gastar muito.”
“Dignidade não tem grade”
Questionado se o envio dos itens não seria uma espécie de “luxo” para os presos, que contam com quatro refeições na cadeia, Péricles garante que não se trata disso. Ele, que já sentiu na pele as agruras de estar preso, garante que os produtos apenas garantem condições de vida “um pouco melhores” dentro de um sistema que nem sempre é humanizado.
“Sou muito sensato, faço questão de dizer que se a pessoa errou ela tem que pagar. Porém, sabemos que celas que comportam seis pessoas chegam a receber 30 detentos, a comida nem sempre está em bom estado. Dignidade não tem grade, se queremos que as pessoas saiam melhor desses lugares é preciso proporcionar boas condições de reabilitação”, defende.
O empresário também faz questão de explicar a questão do auxílio reclusão e desmistificar a ideia de que os presos ou suas famílias “têm mordomia” ao receberem os valores. Até porque, para ter direito ao benefício, é preciso ter contribuído para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por pelo menos 24 meses antes da prisão e tenha renda mensal bruta igual ou inferior a R$ 1.503,25.
“Sem falar que muitos são arrimo de família, então muitos parentes acabam ficando sem dinheiro após a prisão. Muitos mal conseguem mandar um biscoito para quem está lá dentro. Um dos meus planos para o futuro é abrir uma ONG para ensinar uma profissão para os ex-presidiários e seus familiares. O empreendedorismo pode colocar as pessoas de volta ao trilho, assim como aconteceu comigo”, reflete.
GLOSSÁRIO DO PRESO:
Carta – Chorona
Caneta – Pena
Cueca – Coruja
Colher – Goela
Barbeador – Trator
Chinelo de borracha - Táxi
Roupa – Brechó
Café – Moca
Aparelho de rádio – Papagaio
Pão – Marrocos
Copo – Taça
Suco em pó - Veneno
Cortador de unha - quebra gelo
Toalha - praiana
Banheiro - boi
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