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Uma das coisas que verdadeiramente aprecio no fato de já ter vivido uma boa quantidade de décadas, quase seis, ainda incompletas mas já batendo na soleira da porta entreaberta, é o tanto de tempo que tive de meu. Inclusive o tempo usado para ler e procurar aprender, por pouco que consiga, com tantos e tão variados poetas e escritores.
Essas pessoas que nunca saberão o quanto eu lhes sou grata e às quais só posso tentar retribuir o bem que me fazem, divulgando e compartilhando trechos de suas obras com quem também aprecia essas dádivas: os sentimentos que nos chegam através das palavras por elas escritas e que têm a maravilhosa capacidade de se somarem aos nossos próprios pensamentos. São mesmo como as estrelas que vemos, enviando seu brilho navegante pelo espaço e mesmo aquelas que já morreram há séculos continuam iluminando o nosso viver, nos permitindo beber através dos olhos, um pouco da imensa magia que possuem.
Com esses hábeis timoneiros a nos guiar, nos tornamos também aprendizes de marinheiros, com o privilégio de navegar em águas diversas e de nelas matar a nossa sede. Águas às vezes rasas e transparentes, plenas de belezas óbvias, levezas que nada pretendem além de nos oferecer o alento e o refrigério de sua cândida frescura, nos dias de mornas preguiças.
Outras águas turbulentas e obscuras, desafiando mergulhos, se recusando a revelar facilmente os segredos escondidos na profundeza de seus mistérios. Estas possuem a tal beleza bailarina da dança dos sete véus, se despindo aos poucos, conduzindo como querem e permitem, revelando apenas uma parte de cada vez. Exigem olhos atentos, sentimentos aguçados, apetites vorazes, atenção à flor da pele....
Atravessar também desérticos areais, abandonando o piso do barco conhecido, colocando os pés nos intrigantes caminhos escaldantes, queimando a pele onde esfinges de inesperados poderes nos fitam e desafiam maliciosamente:
_ “Decifra-me ou devoro-te”
Poder escolher entre tantas opções aquela que mais lhe agrade, não definitivamente, posto está que neste ponto da viagem já aprendemos que a vida é fluída, líquida como o sangue que corre em nossas veias e se movimenta constantemente em torno de outras e tantas paisagens. Escolher aquela que no momento lhe cai perfeitamente, e só cai de ótimo grado.
Hoje senti uma vontade enorme de ler novamente um dos poemas que gosto infinitamente e vou, com Tiago de Mello assumindo o timão deste meu barquinho e com a sua generosa licença, meu caro e paciente leitor, terminar estes meus escritos semanais na nossa coluna SERenIDADE:
Como um Rio
Ser capaz, como um rio que leva sozinho
a canoa que se cansa,
de servir de caminho para a esperança.
E de lavar do límpido
a mágoa da mancha,
como o rio que leva, e lava.
Crescer para entregar na distância calada
um poder de canção,
como o rio decifra o segredo do chão.
Se tempo é de descer,
reter o dom da força
sem deixar de seguir.
E até mesmo sumir para, subterrâneo,
aprender a voltar e cumprir, no seu curso,
o ofício de amar.
Como um rio,
aceitar essas súbitas ondas
feitas de água impuras que afloram
a escondida verdade nas funduras.
Como um rio, que nasce de outros,
saber seguir junto com outros sendo
e noutros se prolongando
e construir o encontro
com as águas grandes do oceano sem fim.
Mudar em movimento, mas sem deixar de ser o mesmo
ser que muda.
Como um rio
(Thiago de Mello)
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