Escrever é um ato que realmente me fascina e o meu encantamento começa na própria palavra. Fico olhando os caracteres e decifrando seu significado na forma de cada sílaba que se apresenta na composição da palavra, cada uma delas sendo também representante de um verbo e de como elas, sílabas e palavra, me tocam.
Plenas de significados em si mesmas, separadas ou agrupadas para formarem este verbo que me atrai desde que aprendi a decodificar os pensamentos registrados nos livros que tive a boa sorte de ganhar ainda na mais tenra idade:
ES = do verbo ser, sem o acento, porém assentadinho no que tem que ser – este é para mim o mais importante de todos os verbos encontrados nesta palavra grandiosa, pois ele fala do que somos, da nossa essência mais íntima e ao escrevermos estamos compartilhando com quem nos lê uma mensagem carregada de todas as influências e aprendizados que auferimos antes de chegar neste momento, de colocar para fora a nossa própria visão de mundo e de ideias.
CRE = ah, o verbo crer... que seria de nossa humanidade se não houvesse em nós esta centelha divina que nos faz seguir em frente apesar de todos os pequenos e grandes fracassos que experimentamos diuturnamente? Como conseguiríamos levantar da cama todos os dias sem ter algo que nos sustente e nos motive? É preciso crer em algo, em alguém, em nós mesmos se quisermos conseguir viver com um pouco de alegria e de entusiasmo neste mundo de realidades tão diversas e conflitantes que criamos e que precisamos enfrentar. Com fé na nossa capacidade de continuar acreditando que vale a pena viver e agir e não apenas sobreviver ao passar do tempo.
VER = Este último dos verbos monossilábicos que se juntam para formar este fascinante verbo trissílabo e, como diriam os gaúchos, trilegal de decifrar assim meio que brincando, meio que muito a sério, pois é um exercício de pensamento e confidência (ou seria melhor dizer “inconfidência” por estar colocando na boca alheia aquilo que estava preso dentro do coração de quem aqui se revela?). É a ação que não se limita ao ato físico da interação entre olhos e luzes. Ver é conseguir trazer para dentro de si as imagens do mundo e, com elas, trazer também as sensações que as visões nos provocam.
Talvez todo aquele que ouse registrar por escrito os seus pensamentos e opiniões seja na realidade um visionário, ele tenta passar para o outro as suas impressões e verdades da forma menos confiável que conhecemos. O escritor controla o que diz ao papel, mas jamais terá a certeza do entendimento que o leitor, ausente e longínquo de suas possíveis explicações, há de colocar naquilo que lhe foi dito à distância.
Um lago reflete o céu estrelado mas não é capaz de ser cópia fiel daquilo que os nossos olhos capturam quando olham diretamente para o espaço que se abre e se imprime em nosso cérebro, numa imagem bem diferente daquela que vemos ao olhar o espelho da água parada do lago. Assim acontece também com o que vemos nos livros e jornais, sabemos ler o que foi escrito, mas jamais teremos a certeza de ter lido o escritor e todas as suas intenções.
Hoje eu quero terminar lembrando um escritor, uma pessoa mais que especial, essencial e, que em sua modéstia natural, se definia não como um poeta, mas como um ser com intenções poéticas:
José Virgílio Gonçalves
Que papel
Hoje eu não fiz um verso,
O papel me olhou branco,
zombeteiro.
Desafiou-me.
Aceitei a prova.
Mais que um verso,
converso e reverso
rezei uma trova
e o papel
sem entender o porquê,
ficou branco,
ficou glacê.
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