A psicologia nos ensina que para analisar melhor os fatos, temos que nos distanciar deles. Aguardei alguns dias para pensar melhor e escrever sobre o carnaval que passou e transbordou pelas ruas de Belo Horizonte, inundando nossos corações de alegria, sonhos, confetes e alguma serpentina. Inclusivo, democrático, participativo, engajado, espontâneo, irreverente, despretensioso, esclarecido, alegre, respeitoso, inocente, libertador, divertido, revolucionário e, sobretudo, popular.
Assim foi o carnaval na capital de todos os mineiros, e em seus diversos blocos couberam todos, de todos os credos, sexo, raça, crenças e orientação. Ele deveria ser o reflexo de nossa vida diária, mais tolerante e compreensiva com nós mesmos.
Muito foi o que vi, ouvi, vivi e bebi nos dias de folia e que antecederam a folia. Bebi os beijos juvenis e namorados durante os ensaios, casais que estavam se conhecendo e descobrindo a vida embalados por músicas e amor. Bebi a certeza da vendedora de cerveja que iria comprar o vestido de noiva da filha com o dinheiro do carnaval.
Vi a alegria dos amigos ao saber que um dos que completava a bateria do bloco, depois de sair de um casamento e entrar em depressão profunda, encontrou no batuque folião a mão para buscar novos caminhos e novas amizades.
Pude ver o riso aberto daquele que foi resgatado na avenida para a vida. Ouvi a história do bloco que passava silencioso em frente a uma casa em luto e ao vir a viúva chegar ao portão todos pararam em silêncio sepulcral e solidário e aos poucos cantaram baixinho e em coro para a matriarca da família enlutada: “Meu coração, não sei por que, bate feliz, quando te vê”. A mãe chorou, os filhos choraram, o bloco chorou e eu estou chorando até hoje.
A vida daqueles que vivenciaram esse momento, tenho fé, nunca mais será a mesma. Vivi o bloco que nascia dos sonhos dos homens meninos cheios de incertezas e inseguranças e acordou a cidade com um desfile fazendo aquela manhã de domingo mágica.
Fui um na avenida que segurava o cordão para o bloco que seguia, como se fosse possível segurar a emoção, os sentimentos e a energia que pelas ruas e avenidas escorriam. Ao fim do cortejo choveu e o choro deles se misturou com a água da chuva e tudo se tornou uma coisa só no coração da cidade. Hoje eu penso que a esperança não conhece o medo.
O carnaval de Belo Horizonte no precisa de samba, precisa de gente, gente que acredita no improvável, no imponderável, e faz brilhar na avenida o sonho dos esquecidos.
Depois da folia e de volta à realidade, comentava com um amigo dentro de um elevador os números do carnaval, quando alguém orgulhoso me corrigiu: “não, 2,9 milhões de pessoas, sem violência!”. É o povo cantando e escrevendo a sua própria história, com a força de seu canto. Um exemplo de civismo, de idealismo e de cidadania. O Brasil do carnaval de rua é o Brasil que deu certo.
Enquanto faço este registro, me lembro de duas canções de carnaval, tão sugestivas: “Foi um rio que passou em minha vida e que meu coração se deixou levar”. Mas o que eu queria mesmo “era que essa fantasia fosse eterna, quem sabe um dia a paz vence a guerra e viver será só festejar”.
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